sábado, 7 de julho de 2007

Schuon sobre a Sophia Perennis

Frithjof Schuon, nascido em 1907 na Suíça, é conhecido como um dos principais autores no âmbito da Religio Perennis, seguindo, em termos filosóficos, as correntes metafísicas de Shankara e Platão. Será um dos autores mais citados e merecerá um texto a si dedicado. A tradução apresentada de seguida versa sobre a Sophia Perennis, tema central neste espaço. Não são palavras fáceis, mas o caminho jñana também não o é. Convido os leitores a penetrar profundamente nas suas palavras.

A Verdade não nega formas exteriores, ela transcende-as do interior.
[Spiritual Perspectives and Human Facts, 1954]

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A Sophia Perennis é o conhecimento da Verdade total e, consequentemente, querer o Bem e amar a Beleza em conformidade com esta Verdade, tendo assim um pleno entendimento das razões para o fazer. A doutrina da Sophia aborda por um lado o Principio Divino e, por outro, a sua Manifestação universal e, desta forma, Deus, o mundo e a alma, distinguindo no seio da Manifestação o macrocosmos e o microcosmos. Isto implica que Deus contém extrinsecamente em si próprio diferentes graus ou modos, ou seja, tende a limitar-Se em relação à Sua Manifestação. Neste facto reside o mistério da Divina Maya.

Conhecer a Verdade, querer o Bem e amar a Beleza. Estando caracterizada a Verdade, passemos para o Bem. Este é, a priori, o Princípio supremo como quinta-essência e causa de todo o bem possível e, à posteriori, por um lado tudo o que no Universo manifesta o Principio e, por outro, tudo aquilo que redirecciona para o mesmo. O Bem é em primeiro lugar o próprio Deus, depois a “projecção” de Deus na existência e, finalmente, a “reintegração” do existente em Deus. Para ser mais específico, no caso do Homem, os três bens principais são: em primeiro lugar a religião, depois a piedade e, por último, a salvação, considerando-se estes termos no seu sentido mais absoluto e fora de qualquer restrição específica. No que diz respeito ao bem que não pertence a qualquer uma das referidas categorias, este participará numa delas de forma directa ou indirecta, uma vez que todo o bem tem um valor simbólico e, como tal, o de uma chave.

Em relação à Beleza, esta emerge do Infinito, o qual coincide com a Graça divina. Nesta perspectiva, Deus é Beleza, Amor, Bem e Paz, penetrando na totalidade do Universo com estas qualidades. A Beleza no Universo é o que revela o Infinito divino; toda a beleza criada comunica-nos algo infinito, beatífico e libertador. O Amor, o qual responde à Beleza, é o desejo de união ou a própria união. Segundo Ibn ‘Arabi, o caminho para Deus é Amor porque Deus é Beleza. O Bem, por seu lado, é a generosa radiação da Beleza; é para a Beleza o que o calor é para a luz. Sendo Belo, Deus é, por essa razão, o Bem ou a Misericórdia. Pode ainda dizer-se que, na Beleza, Deus oferece‑nos algo do Paraíso; o belo é o mensageiro não só do Infinito e da Harmonia, mas também, tal como o arco-íris, de reconciliação e perdão.

De uma perspectiva diferente, o Bem e a Beleza são, respectivamente, aspectos “internos” e “externos” da Beatitude, enquanto que na distinção prévia, a Beleza é intrínseca enquanto pertencente à Essência e o Bem é extrínseco enquanto sendo exercido em relação a acidentes, nomeadamente a criaturas. Nesta dimensão, o Rigor, surgindo do Absoluto, não pode estar ausente. Intrinsecamente, é a pureza adamantina do divino e do sagrado, enquanto que, extrinsecamente, é a limitação do perdão devida à falta de receptividade das criaturas. O mundo é constituído por duas dimensões principais: o rigor matemático e a gentileza musical, ambas unidas numa homogeneidade superior, a qual pertence à imensurabilidade do Divino. Nestas verdades ou mistérios, as perspectivas exotéricas e esotéricas – religiões e conhecimento – participam de acordo com as suas capacidades e vocações: o esoterismo considerando estritamente a natureza das coisas e o exoterismo filtrando e adaptando-as às realidades humanas, escondendo sob este véu os tesouros da unânime e una Sophia. Nas profundezas de alguns homens reside, intacta, a sua própria natureza e, consequentemente, o conhecimento pleno de Deus.

O que define o Homem é aquilo que apenas ele é capaz, nomeadamente, a inteligência total – dotada de objectividade e transcendência – o livre arbítrio e o carácter generoso; ou simplesmente objectividade, ou seja, a adequação da vontade, do sentimento e da inteligência. A Sophia Perennis é, basicamente, a objectividade liberta de todas as algemas. É a capacidade de “compreender” aquilo que é, ao ponto de se poder “ser” aquilo que é; é a capacidade de adaptação ao Ser necessário, não só possível.

[Roots of the Human Condition, World Wisdom Books, 1991]

2 comentários:

  1. Ao ver o título e um texto desta natureza em Português não consegui evitar voltar a viajar por umas páginas escritas no português mágico de Fernando Pessoa, páginas essas que congregam vários textos inacabados, prefaciados, organizados e anotados por António Quadros e que foram tão adequadamente intitulados de A Procura da Verdade Oculta.

    Este pequeno excerto não datado, que aqui replico, foi atribuído a um sub-heterónimo de Fernando Pessoa (Raphael Baldaya), o qual foi classificado como astrólogo, pagão rebelde em luta contra o misticismo, contra o ocultismo e contra a teosofia, embora em nome da verdadeira “ciência esotérica”:

    “Urge expor do modo mais claro e preciso qual é, segundo a ciência esotérica verdadeira, a constituição real do Universo. Não importa ao leitor como estas verdades se determinaram, de onde elas partem. A sua aceitação não é necessária para ninguém. Mas elas expõe-se, porque chegou a hora de se exporem, porque é preciso que elas sejam dadas ao mundo. O resto não tem importância.”

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