segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carta de René Guénon a Frithjof Schuon sobre o livro "A Unidade Transcendente das Religiões"


(...) Apesar de, como certamente estará informado, eu ter tido notícias suas recentemente, fiquei extremamente feliz por ter novas suas diretamente, e também por ouvir que eu posso receber a visita de um de nossos amigos; talvez v. mesmo possa nos fazer uma nova visita proximamente...

Obrigado por enviar os sucessivos capítulos de seu livro [A Unidade Transcendente das Religiões], que agora foi completado; considero-o do maior interesse, e teria sido uma grande pena se v. tivesse decidido não escrevê-lo. Não há modificações que eu gostaria de sugerir, nem há nada a acrescentar ou a remover; penso que o que concerne ao Cristianismo, em particular, nunca foi apresentado antes deste ponto de vista, e isto pode ajudar algumas pessoas a entenderem muitas coisas. É importante que este livro seja publicado o mais cedo possível; Luc Benoist me disse que isto pode acontecer para o fim do ano, mas como a nova edição de La crise du monde moderne sairá aparentemente mais cedo que ele disse, espero que este fato possa antecipar a publicação dos próximos volumes da coleção, isto é, o seu livro primeiramente e então o de Coomaraswamy [Hindouisme et Bouddhisme]. Acerca do novo título para seu livro [De l’unité transcendante des religions], ele me parece preferível à versão anterior [De l’unité ésotérique des formes traditionnelles], porque é mais curto e porque será talvez mais claro para os leitores ainda não acostumados à nossa terminologia.

(...) Quanto ao que v. diz em sua resposta sobre S. João, haveria apenas isto a acrescentar: muitos muçulmanos também consideram S. João como um Profeta, pertencente à família de Al-Khidr, Sayyid-na Idris e Sayyid-na Ilyas; seja como for, compreende-se que ele seria apenas Nabi, e não Rasûl. A este respeito, não me recordo se já tive a ocasião de lhe contar que o que me deu a ideia de escrever os artigos sobre a “realização descendente”, publicados no começo de 1939, foi o fato de alguns xiitas reivindicarem que o Wali fosse um maqâm mais elevado (do ponto de vista de al-qurb, ‘proximidade’) do que o Nabi, e mesmo que o Rasûl. O que eu escrevi recentemente sobre os Malamatiya, como v. verá ( ou talvez já tenha visto, pois o número 4 de Études Traditionnelles já deve ter sido publicado) também lida com a mesma questão; este artigo concorda com o que v. mesmo escreveu acerca da relação dos iniciados com o povo (...)

Sim, recebi de Buenos Aires os dois estudos que v. menciona, sobre o Budismo e os “Nomes Divinos”; tive a mesma impressão sua, especialmente do segundo. É bem difícil de ler e contém muitas complicações desnecessárias, e mesmo muitas correspondências que parecem injustificadas; pergunto-me sobre que autoridades o autor poderia fundamentar suas asserções... Certamente que o livro de S. Abu Bakr [The Book of Certainty] é bem diferente; v. não acha que, se fosse traduzido para o francês, seria válido incluí-lo na coleção Tradition? Não creio que Luc Benoist poderia ter objeção à ideia.

De fato, conheci madame Breton (então mademoiselle Dano) em meus últimos tempos em Paris e, desde então, ela me escreve de tempos em tempos. Penso que v. fez bem em responder a ela, ela é certamente bastante agradável e parece ter um bom entendimento, e não há razão para não ter confiança nela; ademais, é um fato gratificante que não pertença àquela categoria de correspondentes – demasiado numerosa – que são criadores de casos e indiscretos. Devo também mencionar que ela e seu cunhado, Paul Barbotin, foram de considerável ajuda para mim em elucidar algumas maquinações de membros do R.I.S.S. e outros do gênero. Acrescentarei, para que saiba exatamente com quem está lidando, que ela é claramente católica e está em contato com Charbonneau-Lassay.

Seu capítulo sobre as formas de arte será certamente bastante apropriado para o volume de Bharata Iyer [Art and Thought, em homenagem ao 70º aniversário de Ananda Coomaraswamy]; Marco Pallis escreveu para dizer que preparará algo sobre a vestimenta tradicional. Quanto a mim, infelizmente não fiz nada até agora; já que parece que os artigos serão solicitados logo, pergunto-me se uma tradução de meu estudo sobre a teoria dos elementos, que apareceu no número especial de Études Traditionnelles dedicado à tradição hindu, não seria apropriado. Dificilmente eu poderia escrever agora algo de alguma extensão, nem isto será possível até que eu conclua com todas as questões de publicações e republicações que estão em pauta presentemente, pois tudo isso me toma muito tempo e é ainda mais complicado pela lentidão e irregularidade do correio. É verdade que o período de silêncio destes últimos anos foi vantajoso para mim, no sentido de que de outra maneira teria sido provavelmente difícil completar quatro novos livros durante este tempo; mas, de outro ponto de vista, a ausência prolongada de notícias tornou-se algo bastante duro...

Meu obrigado a v. e a todos os nossos amigos pelos bons votos; continuo com boa saúde, graças a Deus, e minha família se junta a mim para enviar-lhe nossas saudações e boas lembranças.

Min al-faqir ilâ Rabbi-hi
‘Abd al-Wahid Yahya.

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