sábado, 31 de março de 2012

Sobre o trabalho

Diz um provérbio árabe que reflete a atitude do muçulmano perante a vida: "a lentidão é de Deus, a pressa é de Satanás", o que nos leva à seguinte reflexão: como as máquinas devoram o tempo, o homem moderno está sempre apressado, e como essa perpétua falta de tempo cria nele reflexos de pressa e de superficialidade, o homem moderno toma esses reflexos — que compensam uma série de desequilíbrios — por superioridades, e despreza, no fundo, o homem antigo de hábitos "idílicos" e sobretudo o velho oriental de andar lento e turbante longo para enrolar. Já não se consegue representar, por falta de experiência, qual era o conteúdo qualitativo da "lentidão" tradicional, ou como "sonhavam" as pessoas de outrora; o homem de hoje contenta-se com a caricatura, o que é muito mais simples e lhe é mesmo exigido por um instinto ilusório de conservação. Se as preocupações sociais — de base evidentemente material — determinam em tão grande parte o espírito da nossa época, isso não se deve apenas às consequências sociais do maquinismo e às condições inumanas que ele engendra, deve-se também à ausência de uma atmosfera contemplativa que, no entanto, é necessária para a felicidade dos homens, seja qual for o seu "padrão de vida", para empregar uma expressão tão bárbara quanto usual. 

Frithjof Schuon

Retirado da publicação em "Vera Philosophia". Não deixem de aí ler este e outros textos rigorosamente seleccionados e comentados.

2 comentários:

  1. Que força é essa que parece consumir nossa alma e nosso mundo? E só podemos assistir e aguardar que tudo se aniquile. Se nosso mundo caminha para a aniquilação, podemos pesar então que esse lugar é uma terra que está se tornando estéril e que perderá sua utilidade? então que utilidade foi essa que sentido teve tudo isso?

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  2. Caro Gabriel,

    Dada a importância do assunto e o facto de este ser um espaço que pretende trazer luz e esperança, nunca o desespero, permita-me umas breves palavras ao seu comentário.

    Não estarei a cometer uma grande injustiça se disser que uma grande parte de nós – aqueles com uma inquietude interior e uma ânsia pela Verdade –, já passou por aí, isto é, já se colocou esse tipo de perguntas e foi levado a ceder ao desespero; sobretudo num mundo como o nosso, onde a fealdade reina sem aparente oposição. Ora essa é a actividade da Maya inferior (recorrendo a uma expressão de Frithjof Schuon), soterrar-nos em infinitas ilusões que tomamos como reais, para logo sermos confrontados com a sua verdadeira natureza efémera. E é nesse momento, quando nada parece ter sentido, que somos invadidos pelo desespero e pela revolta.

    Mas o que procuramos aqui é dar pistas para um caminho totalmente oposto. Um caminho de busca do centro imutável, dessa Verdade que dá sentido a tudo. Esta Verdade exige, no entanto, que a procuremos com tudo o que temos e, depois, nos conformemos a Ela com tudo o que somos. E esse é o verdadeiro acto de coragem (de não covardia, se preferir).

    Mais uma nota que é fruto de uma belíssima leitura de um livro da tradição do Budismo Terra Pura (Naturalness: A classic of Shin Budhism), e que recorre à sempre útil relação entre o macrocosmos e o microcosmos. Chama-nos o autor a atenção para o facto de que a antecipação da morte, isto é, o conhecimento que o homem tem da inevitabilidade desta, seria uma força opressora que tornaria a sua vida insuportável, não fosse a existência de uma fé implícita – uma alegria de viver – localizada no nosso mais profundo interior, que nos diz que a vida têm sentido. Dizem-nos as diversas tradições que esta fé implícita não é mais do que a Realidade que existe em nós e que busca regressar à sua Origem, à Fonte de tudo o que é.

    Este caminho, ‘que dá sentido a tudo isto’, não pode ser percorrido com lanternas sem combustível (pseudo-religiões, new-age, etc.), mas sim com as luminárias que são elas próprias Luz, as religiões reveladas.

    Por fim, chamo a atenção para um livro que é todo ele esperança: The Eleventh Hour: The Spiritual Crisis of the Modern World in the Light of Tradition and Prophecy. Trata-se de um magistral desenvolvimento por Martin Lings de um apontamento inicial de Frithjof Schuon sobre o facto do final dos tempos, tal como a terceira idade do homem, ter um aspecto de sabedoria para além daquele de decrepitude. Cabe-nos a nós escolher qual destes aspectos queremos reter.

    O desespero é um luxo e a revolta uma ingratidão. Temos sempre tudo o que precisamos para ser o que devemos ser. Mas Deus sabe mais.

    Miguel Conceição

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